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Atualizado: 3 de jun. de 2019

Projeto de lei que induz clubes a se tornarem empresas anônimas é desarquivado e ganha força na Câmara e no governo federal


Por Felipe Melo


No início de maio, os irmãos Moreira Salles divulgaram o levantamento inicial da auditoria realizada no Botafogo, antes de definirem as diretrizes da futura parceria. Segundo esse estudo, organizado pela Ernst & Young, o clube necessita de R$200 milhões para iniciar o pagamento da atual dívida, que beira aos R$750 milhões, a maior entre os clubes grandes do país. No entanto, essa parceria traz à tona um debate sobre a ligação entre clubes de futebol e empresas (Sociedade S.A.).


Atualmente, na câmara federal, existe um projeto de lei, elaborado pelo deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ), que busca induzir os clubes brasileiros a se transformarem em empresas/sociedades anônimas. A proposta conta com o apoio tanto do presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia, quanto do presidente Jair Bolsonaro. Contudo, de acordo com o especialista e doutorando Irlan Simões, os clubes devem vivenciar atitudes mais democráticas de aproximação com o torcedor, antes de cogitar centralizar o seu patrimônio nas mãos de um proprietário.


Nelson Mufarrej e Irmãos Moreira Salles; parceria pode ser definida nos próximos meses (Foto: LanceNet!)

Quem são eles


Walter Salles, 62 anos, e João Moreira, 53, são filhos do saudoso banqueiro e diplomata Walther Moreira Salles e têm uma fortuna avaliada em U$ 3 bilhões (cerca de R$ 11,6 bilhões) pela revista Forbes. Ambos são diretores de cinema, têm participação no Itaú-Unibanco e na CBMM, maior produtora mundial de nióbio, um mineral raro. Walter dirigiu filmes de sucesso como “Central do Brasil” e “Diários de motocicleta” Já João, caçula da família, criou a conceituada revista “Piauí”, impressa pela Editora Abril.



Entenda o Caso


Desde dezembro de 2018, os irmãos Moreira Salles realizam um estudo, encomendado pela empresa Ernst & Young, sobre a atual dívida do Botafogo e as possíveis formas de gestão do clube. No levantamento inicial, exposto no início de maio, foi revelado que a instituição necessita de uma injeção de R$ 200 milhões para solucionar os débitos mais urgentes e tornar as finanças mais saudáveis. Neste sentido, com o alívio financeiro, o clube formaria times mais competitivos e poderia disputar os principais títulos do país.

De acordo com uma carta enviada ao jornalista Juca Kfouri, os irmãos revelaram que não pretendem comprar o Botafogo, mas sim tornar a instituição financeiramente saudável. No momento, existem alguns modelos em discussão de como separar o departamento de futebol da parte social do clube. Com isso, os bilionários buscariam uma empresa para gerir o futebol e sanar a dívida.


Por meio dessa parceria, os irmãos buscam mudar o patamar da instituição, investindo nas divisões de base. Para isso, no final de 2018, foi realizada a compra de um terreno em Vargem Pequena, na zona oeste do Rio de Janeiro, para a construção do novo centro de treinamento do Botafogo. Os irmãos investiram R$ 25 milhões na obra, que tem previsão para ficar pronta em 2020. Os valores serão ressarcidos em um prazo de 30 anos em 360 parcelas corrigidas pelo IPC (Índice de Preços ao Consumidor).


Atualmente, o Botafogo é o clube com a maior dívida do país, em torno de R$750 milhões, o que reflete na imagem da instituição, tanto dentro das quatro linhas, quanto no mercado financeiro. Um dos pontos responsáveis pelo aumento da dívida é a administração do estádio Nilton Santos. O alvinegro teve um prejuízo de R$3,5 milhões em receitas de bilheteria líquida no Brasileirão 2018, a menor entre os vinte clubes que disputam a competição.


Essa parceria pode ser facilitada com um projeto de lei que tramita na Câmara, de autoria do deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ) e busca induzir os clubes brasileiros a se transformarem em empresas/sociedades anônimas com a possibilidade de terem um dono. A proposta conta com o apoio tanto do presidente da Câmara Federal Rodrigo Maia, quanto do presidente Jair Bolsonaro.


De acordo com o secretário de futebol e direitos do torcedor, Ronaldo Lima, este projeto de lei incentivaria um setor de grande repercussão nacional a se tornar um exemplo de empreendedorismo para o país. O secretário participa diretamente como mediador de discussão dentro do governo com a participação de membros do Ministério da Fazenda.



Especialista destaca desafios da relação entre futebol e empresa


Por outro lado, segundo o especialista na relação entre futebol e mercado e doutorando em comunicação, Irlan Simões, os clubes brasileiros devem experimentar processos de democratização relacionados à participação efetiva de torcedores nos assuntos internos, antes de cogitar entregar o patrimônio da instituição a um empresário. Para ele, o fato dos irmãos Moreira Salles serem torcedores botafoguenses talvez soe como ação filantrópica, porém a relação entre clubes e empresa é bem mais complexa.


“O que penso é que os clubes brasileiros são muito restritos à participação dos seus torcedores nos assuntos internos (como direitos políticos para eleger e ser eleito). A sensação na arquibancada é que se trata apenas da troca de uma diligência amadora por uma profissional e eficiente. O que além de não ser algo tão simples, também não percebe as grandes diferenças na transformação do clube em empresa como encargos, com distribuição de dividendos entre acionistas, a clientelização do torcedor, etc.”, aponta Irlan


Ainda de acordo com Irlan, o tema ganhou destaque no Botafogo, pois é inevitável conter os ânimos de muitos torcedores diante da oportunidade de montar grandes elencos e voltar a disputar títulos nacionais sob o comando dos bilionários. Entretanto, para ele, o torcedor mais bem informado avalia a parceria com preocupação sobre os possíveis impactos da entrega nas mãos de uma instituição histórica e centenária a um empresário.


Conforme o doutorando, a transição para uma sociedade anônima traz uma consequência imediata: a capitalização, que eleva o patamar orçamentário do clube. No caso do Botafogo, o clube arrecada pouco com associação, bilheteria e patrocínio, assim como as cotas televisivas que são bem inferiores aos seus rivais. Contudo, o contexto do futebol brasileiro é diferente do europeu e essa capitalização tem um curto prazo e nem sempre reflete em sucesso esportivo.


“O que sempre friso é que essa capitalização tem prazo curto, demanda um processo constante de entrada de novos acionistas, o que faz dessa empresa, após alguns anos pouco aptos a dar novos saltos “diferenciadores”. Ninguém vai colocar dinheiro em um clube a fundo perdido. Exceto se estivermos falando dos Moreira Salles como os novos Abramovichs do futebol do terceiro mundo.”, ressalta Irlan


Além dessa questão, Irlan destaca que no contexto do futebol brasileiro, os desempenhos financeiros e esportivos dos clubes geralmente não andam juntos. A disparidade entre os valores das cotas de televisão distribuídas pelos clubes da primeira divisão reflete diretamente na saúde financeira. O Flamengo, por exemplo, recebe quatro vezes mais que o Botafogo da rede Globo, emissora detentora dos direitos do principal campeonato do país.

“Essa é uma das indústrias mais voláteis do mundo, onde o objetivo final, por mais que se queira, nunca está no superávit. O que importa é quem levanta mais taça. E mesmo um pontual “superávit do exercício” pode significar absolutamente nada em termos de competitividade de uma equipe no ano seguinte, visto que a receita preponderante continuará sendo o das cotas televisivas. Não será a fama de bons gestores dos irmãos Moreira Salles que vai convencer os financiadores a pagar o mesmo que pagam ao Flamengo, por exemplo.”, salienta Irlan



A opinião de membros da torcida


Desde janeiro, a torcida do Botafogo realiza campanhas e viraliza hashtags em redes sociais como #AssumeMoreiraSalles e #EuDigoSim. O clube de General Severiano passa por um longo período sem título de expressão nacional e carente de ídolos. Nas últimas temporadas, teve que negociar os principais atletas de seu elenco como Igor Rabello, Matheus Fernandes e Rodrigo Lindoso.


Dessa forma, o torcedor Jhonatan Campos, membro setor financeiro da livraria Nobel, é a favor dessa parceria e de uma mudança no modelo de gestão do clube. Para ele, o alvinegro enfrenta uma situação caótica, tanto financeira, quanto esportiva, em virtude da falta de uma diretoria competente e profissional.


“Atualmente o Botafogo possuí a maior dívida dentre os clubes brasileiros, beirando na casa dos R$ 750 milhões de reais, e isso se deve as recentes gestões anteriores que não souberam administrar os gastos do clube. Diante disso, acho de suma importância a entrada dos irmãos Moreira Salles. ”, destaca Jonathan


Segundo o torcedor Yann Fonseca, essa transição tem que ser feita de maneira transparente, melhorando a imagem do clube no mercado para atrair novos patrocinadores e uma auditoria fiscal. Para ele, o clube não pode perder sua autonomia e os irmãos Moreira Salles necessitam instituir uma gestão democrática e profissionalizar todo o departamento de futebol.


“No mercado do Futebol, o Botafogo necessita passar a imagem de um clube que arca com suas despesas, algo que não acontece na atual gestão. É necessário fechar um grupo administrativo em prol das melhorias financeiras, publicitárias, futebolísticas e desportivas da instituição.”, aponta Yann


Além disso, ele destaca que o Botafogo não deve seguir o exemplo do rival Fluminense, que ficou refém de uma patrocinadora, e não teve retorno financeiro a longo prazo. “O Fluminense ficou dependente da Unimed em todos os sentidos. Teve retorno com alguns títulos, mas quando a empresa deixou o clube, as dívidas aumentaram e o atual rombo financeiro é gigante.”


De acordo com ambos os torcedores, a instituição tem como se reerguer financeiramente sem depender apenas de empresários, porém seria um projeto a longo prazo e através de uma gestão competente como foi o exemplo do Flamengo. Para eles, a diretoria do rival seguiu um modelo, que conseguiu tornar a instituição mais atrativa para grandes patrocinadores, estimulou a ida ao estádio através do esquema de sócio torcedor e formou times fortes e competitivos.


“Os rendimentos do clube são vindos de cotas de televisão, patrocínio, vendas de jogadores, sócios torcedores e bilheterias. O clube tem adquirido prejuízos em alguns jogos através das despesas operacionais do estádio. O Botafogo não chega a 200 milhões anuais de receitas, enquanto a dívida beira a 750 milhões de reais (com ex-jogadores, ações trabalhistas, etc), além do salário mensal de jogadores e funcionários. ”, ressaltou Jonathan


Até o fechamento desta matéria, os irmãos Moreira Salles e a direção do Botafogo de Futebol e Regatas não responderam aos questionamentos sobre detalhes da parceria e a possível transformação do clube em empresa.

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