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Intérpretes artísticos de libras levam arte à comunidade surda

  • thegabriellasouza
  • 11 de jun. de 2019
  • 5 min de leitura

Com pouca oferta e demanda de profissionais, a internet se tornou uma alternativa para surdos acessarem músicas através dos intérpretes


HALESSANDRA ARAUJO


Fonte: youtube.com

Intérprete canta música de Caetano Veloso em Libras.


Por meio de uma língua de sinais e expressões corporais, intérpretes artísticos podem não só traduzir a língua oral, mas também representar emoções, ritmos e outros elementos que compõem uma obra artística. Atuando em casas de shows, teatros e até mesmo na internet, os profissionais contribuem para o acesso da comunidade surda à diversas obras culturais. No Brasil, a profissão recebeu maior reconhecimento pelo público ouvinte após a iniciativa do cantor Luan Santana, que em maio de 2019 publicou, em seu Instagram (@luansantana), vídeos com a interpretação de suas novas músicas.


Diferentemente do tradutor, que, como o nome já diz, apenas traduz uma língua (escrita) para outra (seja escrita, seja falada), e do intérprete comum, que transmite simultaneamente o que foi falado em uma língua para outra, o artístico transmite a fala, sentimento, som, personalidade e reflexão da música, peça, animação ou qualquer outra manifestação ou obra artística. Para se comunicar com os surdos, esse profissional utiliza tanto a língua de sinais (podendo mudar conforme a cultura ou região geográfica) quanto o seu corpo.


De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), há no Brasil cerca de 10 milhões de pessoas com surdez, dentre elas, 2,7 milhões têm surdez profunda, situação em que não se pode ouvir nenhum som. Apesar dos surdos representarem 5% da população do país, eles ainda são muitas vezes excluídos da sociedade, como acontece nos meios artísticos, onde dificilmente encontram profissionais de Libras (Língua Brasileira de Sinais) que possam auxiliá-los.


Para alguns integrantes da comunidade surda, a discriminação a eles no Brasil pode ser intensificada com uma das ações do governo Bolsonaro, que extinguiu a secretaria que cuidava da educação de pessoas com surdez. A Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) foi substituída por uma subpasta chamada Modalidades Especializadas. Para a professora de Artes e Libras, Claudia Araújo, a atitude torna contraditório o discurso de inclusão da Primeira-Dama, Michelle Bolsonaro. ‘’Esperava mais investimento, mas até agora só vi aumentar o preconceito’’, conta a professora da Educação Infantil. O jovem Lucas da Costa, que também é surdo, concorda com Claudia e afirma que nenhum grupo minoritário é acolhido pelo atual governo, nem mesmo os surdos.


Segundo a professora de Libras da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Elissandra Perse, muitos surdos brasileiros se veem impossibilitados de exercer sua plena cidadania por não terem seus direitos linguísticos respeitados. A especialista, que já atuou no Ines (Instituto Nacional de Educação de Surdos) afirma que, além de estar presente nas escolas, universidades e outras instituições da sociedade, ‘’ é preciso garantir o acesso da comunidade surda à cultura e ao entretenimento. ’’ Essa acessibilidade, quando há, é muitas vezes limitada. As poucas sessões acessíveis de peças teatrais, por exemplo, ocorrem geralmente no meio da semana e em horários na parte do dia, quando o público é menor.


Lucas da Costa, que perdeu a audição aos nove anos de idade, relata que apenas aos 22 anos pôde assistir a um show acessível no Rio de Janeiro, coisa que gostaria de ter feito antes: ‘’quando era pequeno eu amava música, mas depois do acidente que sofri, eu pensei que nunca mais teria contato com a arte. ’’ Para ir em shows, o jovem diz que precisa pagar um alto preço, e por isso gostaria que o governo promovesse atividades culturais à comunidade surda de baixa renda: ‘’nós não temos que aceitar essa limitação, nós temos que correr atrás e exigir nossos direitos sem pagar a mais por isso. ’’


Fonte: www.today.c

Intérprete artística de ASL (língua de sinais americana) em show de rock.


A atriz principiante Beatriz Tavares, que tem surdez profunda, diz que, por morar no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, já frequentou teatros acessíveis, onde pôde ter o primeiro contato com o meio artístico. No entanto, a jovem afirma que nem todos os integrantes da comunidade surda têm as mesmas oportunidades: ‘’meus amigos surdos da Baixada Fluminense nunca tinham assistido a uma peça de teatro antes de eu convidar eles. O país não investe na cultura, e na gente menos ainda. ’’ Para a jovem, a discriminação sofrida por um surdo aumenta quando ele é considerado de baixa renda.


A intérprete artística de Libras Lorraine Mayer reafirma a diferença que há no acesso do indivíduo à cultura de acordo com seu poder econômico e com as suas necessidades -- nesse caso, entre surdos e ouvintes. Para ela, a presença do intérprete nos espaços artísticos é um dos meios para diminuir essa desigualdade, ‘’pois é ele que esclarece ao contratante as especificidades da comunidade surda. ’’ Lorraine acrescenta dizendo que profissionais como ela não são valorizados pela sociedade, pois as pessoas não reconhecem a dificuldade no trabalho de traduzir e interpretar, por exemplo, uma peça teatral.


Fonte: www.portalacesse.com

Peças teatrais acessíveis contam com a presença de intérpretes de Libras, que adequam a linguagem de acordo com o público.


Uma alternativa para um acesso mais democrático às obras artísticas é a atuação desses profissionais e amadores em plataformas de vídeo na internet. A estudante Taís Ferreira, ouvinte, relata que, por conviver desde seu nascimento com surdos, nunca se sentiu à vontade para expressar seu gosto pela música, mas com o crescimento de produções de intérpretes artísticos no YouTube, viu uma maneira de fazer sua família interagir com esse meio cultural. ‘’Eu ficava um pouco culpada por gostar de cantar, mas percebi que a internet pôde fazer meus pais sentirem o mesmo amor que eu sinto pela música’’, diz a estudante.


Os pais de Taís contam que, apesar de não poderem ouvir a filha cantar, podem, com a interpretação, ‘’ler’’ e sentir, desde a letra até a melodia. O casal diz ainda que mesmo com todo preconceito por parte dos ouvintes, eles nunca se viram incapazes de entender a arte. ‘’ As pessoas acham que nós não sabemos refletir, e isso é triste. Nós não somos limitados, apenas não podemos ouvir’’, relata a mãe da jovem. Taís acrescenta dizendo que está decidida a criar um canal no YouTube, onde fará vídeos de músicas norte-americanas traduzidas para Libras, coisa que a jovem vê como um grande desafio, já que a língua de sinais da América do Norte é a ASL (American Sign Language).


Fonte: instagram.com/waggnerlima

Em sua conta no IGTV, Waggner Lima interpreta músicas da MPB ao brega.


Os profissionais e amadores que atuam na internet, geralmente interpretando músicas, costumam diversificar o repertório, indo do gospel ao funk. O intérprete independente Waggner Lima, que começou gravando vídeos para o YouTube e hoje atua na IGTV (aplicativo do Instagram), diz que a internet, além de ampliar o acesso dos surdos e aproximar pessoas de diversos tipos de artes, pôde dar visibilidade e mais oportunidades de trabalho para os profissionais. Waggner fala sobre a importância não só do surdo ter contato com a arte, mas também do ouvinte ter contato com a comunidade surda, que tem sua cultura pouco explorada pela sociedade. Segundo o artista, a música é uma ferramenta para criar empatia no público ouvinte, que ainda não desmistificou a Libras.

 
 
 

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