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COPA AMÉRICA COLOCA EM EVIDÊNCIA AS MUDANÇAS NO FUTEBOL SUL-AMERICANO

  • pedrowb
  • 19 de jun. de 2019
  • 6 min de leitura

Competição continental aumenta o debate sobre os impactos que a implementação da cultura europeia no futebol traz a América do Sul


Paraguai x Qatar, no Maracanã (Reprodução: Paulo Mumia/CA2019)

Por Lucas Eduardo



Na última sexta-feira, 14 de junho, começou a ser disputada no Brasil a 46° edição da Copa América e sua grande final será realizada no dia 7 de julho, no estádio do Maracanã. O país que em 2014 foi sede da Copa do Mundo de futebol, e em 2016 sediou as Olimpíadas na cidade do Rio de Janeiro, recebe pela terceira vez em 5 anos um grande evento esportivo. Entretanto, aparentemente o sucesso não é o mesmo. Nas primeiras partidas da competição, o público presente nos estádios foi muito abaixo do esperado e levantou a questão sobre como a Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol) está organizando as suas competições. Estádios vazios é apenas um dos diversos problemas relatados.

O preço dos ingressos é apontado como o principal fator da baixa procura pelos jogos da competição, que de acordo com a Conmebol, até um dia antes de seu início foram adquiridos 65% do total. Jogos como Bolívia x Japão e Equador x Venezuela, ambos na terceira rodada da fase de grupos, tiveram menos de 5 mil bilhetes vendidos até o momento. O jogo de estreia entre Brasil x Bolívia, realizado no Morumbi (São Paulo) teve um público pagante de 46.342, o maior da primeira rodada. A renda bruta foi mais de 22 milhões de reais, ou seja, o ticket médio da partida foi de R$485. A ocupação do estádio ficou em 69%. O menor público foi no jogo entre Venezuela e Peru, na Arena do Grêmio (Rio Grande do Sul). 11.107 pessoas pagaram para ver a partida, que teve uma renda de mais de 2 milhões de reais e um ticket médio de R$216. A ocupação foi de apenas 20% do estádio.

Contudo, de acordo com Carlos Santiago, Professor de Geografia que pesquisa sobre o comportamento de torcedores nos continentes, o alto preço dos ingressos é apenas uma pequena mostra de uma tentativa da Conmebol em espelhar o futebol sul-americano ao modelo praticado na Europa, o que de acordo com ele, precisa ter muito cuidado ao tentar implementar a cultura de todo um continente em outro. Carlos diz que alguns pontos podem sim ser aproveitados e servir como modelo para a melhoria do futebol praticado aqui, como a organização, o nível de segurança das partidas, os estádios e a grama. Entretanto, não pode tirar das pessoas os costumes e a cultura bastante presente e que é, inclusive, alvo de elogios pelos próprios europeus, como a forma de torcer. "O que fica claro é uma tentativa desesperada da Conmebol em melhorar o nível das suas competições pegando a Europa como exemplo, mas ela precisa entender o contexto social e geográfico do continente que ela comanda. O torcedor sul-americano se preocupa mais em apoiar o seu time ou sua seleção do que ir ao estádio admirar o espetáculo. Ele precisa de bandeira, sinalizador, cantar em pé o tempo todo e isso tem sido tirado dele. O espetáculo aqui é feito pelas arquibancadas e não pelo dj antes e no intervalo das partidas. A partir do momento que isso não existe mais, juntando com o preço dos ingressos, a procura fica menor e os estádios mais vazios", afirmou Carlos Santiago.

Alguns casos recentes mostram como a Conmebol tem utilizado o futebol europeu como exemplo e implementa aos poucos essa cultura na América do Sul, listamos alguns:


LIBERTADORES DA AMÉRICA

A maior competição entre clubes da América do Sul e que é o sonho de consumo entre os torcedores é o maior exemplo das mudanças impostas pela Confederação. A partir de 2019, a sua final que era disputada em dois confrontos de ida e volta, passará a ser disputada em final única, similar ao que acontece com a Liga dos Campeões da Europa. Essa mudança gerou inúmeros comentários negativos e foi alvo de críticas por parte dos torcedores, que reclamaram principalmente da perda de identidade na maneira de torcer, como é o caso do João Gomes, torcedor do Flamengo e que tem o sonho de um dia poder ver o seu time do coração disputando uma decisão no Maracanã. Agora, para realizar esse sonho, além de torcer para chegar à final, precisa torcer nos bastidores para que o Rio de Janeiro seja a cidade sede. "Estão tirando do torcedor a única coisa que ele deseja, que é torcer por sua equipe. Uma final precisa ser jogada em dois jogos. Os times precisam sentir o calor da arquibancada favorável e contra. Isso faz parte da nossa cultura", disse João.

FINAL NO SANTIAGO BERNABEU

A última final da libertadores, disputada entre River Plate e Boca Juniors, foi emblemática. O maior clássico argentino e um dos maiores do mundo foi parar na Espanha. O ônibus do Boca foi apedrejado ao chegar no Monumental de Nunez, estádio do River, para a disputa da segunda partida da final e alguns jogadores foram atingidos. Com os atletas se recusando a entrar em campo, a partida teve que ser adiada. A Commebol, dias depois, decidiu pela transferência de local da partida para outro continente, e com isso admitiu a falta de capacidade para organizar uma partida de futebol. Pablo Ernandez, torcedor do River e que mora no Brasil há 7 anos, conta que tinha comprado passagem e viajado para seu país natal apenas para ver a final e acabou se frustrando. Sem poder viajar à Espanha devido ao trabalho, nem mesmo o título conquistado foi capaz de aliviar a decepção. "Eu moro no Brasil e a maior saudade que tenho do meu país é poder ver os jogos do River. Assim que chegamos a decisão eu comprei passagem e fui à Argentina. Cheguei duas semanas antes para acompanhar todo o clima, mas não pude ver meu time ser campeão. Apesar do título conquistado, ficou um sabor amargo", relatou Pablo.

Jogadores do River Plate comemorando o título (Reprodução: El País)

PROIBIÇÕES NAS ARQUIBANCADAS


Na edição deste ano das duas principais competições entre clubes, Libertadores e Sulamericana, a Commebol aumentou a restrição nas arquibancadas. As bandeiras gigantes, conhecidas popularmente como "bandeirões", bastante presente nos estádios no Brasil, foram proibidas. Assim como bandeiras que ultrapassem 1,5m de comprimento e 1m de largura, além dos mastros. As faixas presas nas grades das arquibancadas, os famosos "trapos argentinos" também entram nessa lista. Qualquer tipo de fumaça também está vetado. O Professor Carlos Santiago afirmou que essa é uma tentativa de afastar os antigos torcedores, por muitas vezes vistos de uma maneira marginalizada, para atrair um público consumidor, que acompanha as partidas como uma peça de teatro. "Está muito claro. Eles tiram o espetáculo da mão do torcedor e coloca nas grandes arenas. Com o visual sem interferência das bandeiras e trapos, há mais espaço para a publicidade. Vira um grande espetáculo de teatro e quem ganha são os dirigentes com grandes arrecadações".


Festa com bandeirão e trapos na Argentina (Reprodução: Facebook)

Mas há quem concorde com as mudanças praticadas pela confederação. A violência bastante presente nos estádios sul-americanos e que afetava, inclusive, os próprios jogadores ao chegar à linha de fundo para bater o escanteio, é o principal argumento utilizado por quem defende essa nova maneira de pensar o futebol no continente. E casos como a final da Libertadores adiada pela violência dos torcedores do River e a final da Sul-americana em 2017, entre Flamengo e Independiente, que torcedores cariocas invadiram o estádio do Maracanã, são lembrados. Daniel Jordão, Historiador e que percorreu estádios pela América do Sul para sua pesquisa, não acha que a Conmebol é a principal culpada pela mudança na maneira de torcer. Ele acredita que os próprios torcedores ocasionaram as proibições nas arquibancadas. Os casos de violência que chegam até aos gramados, segundo ele, fizeram com que os estádios fossem esvaziando e uma atitude deveria ser tomada. "Penso diferente da maioria. Eu acredito que a Conmebol está fazendo o certo. Infelizmente a bonita festa que nos víamos nas arquibancadas deu lugar as brigas e apedrejamento de ônibus. Se na Europa eles conseguem organizar uma partida de futebol com segurança aos jogadores que estão lá trabalhando, devem sim ser exemplos."


A equipe de reportagem percorreu também os arredores do Maracanã na última terça-feira, 18 de junho, quando foi disputada a partida entre Bolívia e Peru, pela segunda rodada do grupo A da Copa América. O público foi de 26.346, para uma renda de 4,9 milhões de reais. Questionamos os torcedores sobre os estádios não estarem lotados e se o nível de segurança aumentou. Gustavo Lopez, peruano, de 58 anos, conta que é a segunda vez que veio ao Brasil para ver a competição e a diferença é nítida. “Vim com minha esposa em 1989 e a organização é incomparável. A segurança também. Hoje conseguimos chegar mais cedo, conhecer os arredores e ver o jogo com tranquilidade. Apesar de o público estar pequeno, a experiência é maravilhosa. Confesso que prefiro assim.”


O chileno Alessandro Dias, de 25 anos, veio pela primeira vez ao Brasil e se decepcionou com o Maracanã vazio. Ele conta que sempre teve o sonho de conhecer o estádio e escutava histórias do seu pai sobre jogos para mais de 100 mil pessoas. Ver uma partida desse jeito, segundo ele, foi um banho de água fria. “Quando pensamos em Maracanã, logo vem na cabeça torcida do Flamengo, Fluminense e Vasco. Hoje, apesar de ser entre seleções, eu imaginava que estaria mais cheio. Um jogo sem torcida não é futebol.”

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