‘Ser preto é andar com um alvo pintado nas costas’, diz jovem
- Thulany Dhara
- 11 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Jovens negros relatam ter que tomar cuidados extras para não serem confundidos com bandidos

(Foto: Clívia Mesquita)
Jhennifer Neves
Júnior Barbosa é negro e mora na Maré, Zona Norte do Rio. O jovem de 20 anos conta que desde muito novo recebia instruções do pai sobre como agir durante uma abordagem policial, ele foi ensinado a não correr durante um tiroteio, por exemplo.
“Correr é a pior coisa que um preto pode fazer. A polícia vai ver e achar que é bandido”, explica. “Ser preto é andar com um alvo pintado nas costas o tempo inteiro, então precisamos tomar mais cuidados”, desabafa o jovem.
Júnior diz ainda que não acredita que jovens brancos precisem se preocupar com isso, pois não são “automaticamente marginalizados”. E completa:
“Eu ouço as pessoas dizendo que quem não deve não precisa temer a polícia. Quem diz isso claramente não é negro nem pobre”, conclui Júnior.
Gabriel Mota tem 21 anos e mora no Jardim Catarina, umas das comunidades mais perigosas de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. Ele relata viver com medo o tempo todo, não só da violência, mas também dos próprios policiais.
“Eu tenho medo. Simples assim. Tenho medo porque sou preto, pobre e favelado. Isso não é motivo suficiente?” indaga o jovem.
Gabriel disse que em uma ocasião, durante uma operação na comunidade onde mora, foi confundido com bandido pelos policiais e que foi agredido por estar sem documentos.
“Se você é preto e está andando na rua, pode ser morto a qualquer momento”, conta ele. “Eu já apanhei da polícia por estar sem documento, eu estava na porta da minha casa, mas isso não importou. Meu amigo estava na rua um pouco mais à frente e não sofreu um arranhão. Mas ele era branco, o que explica tudo”, conclui.
Negros morrem mais
Dados obtidos pelo Uol, por meio da Lei de acesso à informação, mostram que 9 em cada 10 mortos pela polícia do Rio de Janeiro são negros ou pardos. Ao todo, entre janeiro de 2016 e março de 2017, foram registradas 581 mortes de pessoas consideradas pardas, 368, negras e 141, brancas, totalizando 1.221 mortos. Não há informação racial sobre 137 casos.
A maior parte das mortes (619) ocorreu no município do Rio de Janeiro. São Gonçalo registrou 126, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, aparecem logo em seguida com 106 registros.
Além disso, um levantamento da fundação Abrinq aponta que o número de jovens negros mortos por arma de fogo saltou de 1.450, em 1997, para 7.670 no ano de 2017. Trata-se de um aumento de 428% em 20 anos. Entre jovens brancos o aumento foi de 102%. Foram 772 mortes no ano de 1997 contra 1563 em 2017.
Mesmo que tenham apresentado aumento, o número de jovens brancos mortos quando comparado ao de jovens negros é significativamente menor. O levantamento mostra ainda que enquanto houve um crescimento de 8% nas mortes de jovens negros
entre os anos de 2016 e 2017, as mortes dos brancos apresentaram queda de 9% no mesmo período.
A diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, diz que o racismo é um determinante forte para essa realidade, embora não seja o único:
“Os brancos têm vivido privilégios, e alguns deles vivem os privilégios como se fossem talentos. Ou seja, fingem que não foi o racismo que os levou aonde estão. Não se trata de apatia. Trata-se de proteção ativa de privilégios.”
Daniel Cerqueira, doutor em economia e especialista em segurança pública, afirma que o negro, mesmo tendo a mesma idade, morando no mesmo bairro e possuindo o mesmo nível de escolaridade, tem mais chance de sofrer homicídio do que o jovem branco. Segundo dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o negro tem 23,5% mais chance de sofrer homicídio do que o indivíduo branco.
Cerqueira declara que esses números são reflexos da desigualdade social entre negros e brancos e defende o investimento “em ações de segurança pública efetiva e ações de educação no treinamento policial”. O especialista ressalta ainda a importância das cotas que, para ele, são “relevantes para ajudar a diminuir essa desigualdade.”
Dicas de sobrevivência
Em 2018, um vídeo em que 3 homens negros dão dicas numa espécie de ‘manual’ para negros sobreviverem a uma abordagem policial indevida viralizou nas redes sociais. O vídeo foi publicado na época da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e na descrição, estão as seguintes palavras: “Dicas para que a população negra das comunidades do Rio de Janeiro sobreviva a possíveis abordagens indevidas durante a intervenção que acontecerá até o fim de 2018.”
Entre as dicas estão: não sair sem documentos, sempre avisar a alguém aonde está indo e usar ferramentas que permitem compartilhar sua localização. Outros itens do ‘manual’ de sobrevivência orientam a levar a nota fiscal consigo caso esteja portando algum item de valor elevado, para que não seja apreendido indevidamente e evitar portar furadeiras ou guarda-chuvas, pois podem ser confundidos com armas de fogo. O vídeo conta com a participação de dois Youtubers, Spartakus Santiago e Ad Júnior, e o repórter do Favela da Rocinha, Edu Carvalho.
Commentaires