Mulheres denunciam violência doméstica, após entenderem que são vítimas
- Jornalismo UERJ
- 6 de mai. de 2019
- 6 min de leitura
Vítimas possuem dificuldades para compreender e denunciar violência doméstica
devido ao conhecimento superficial do tema

Por Adrielli Sanche
Karla (nome fictício), 55 anos, funcionária pública do estado do Rio de Janeiro, expulsou seu marido de casa após sua filha explicar o que é a violência doméstica. Karla afirma ter demorado para entender que se enquadrava como vítima, pois se sentia culpada por manter um relacionamento onde sofria agressões psicológicas, verbais e controle constante de seu marido na sua vida social.
“Eu não sabia o que era realmente violência doméstica, só fui descobrir quando minha filha me explicou, aí eu entendi que sofria agressões psicológicas e verbais. Houve uma vez que sofri agressão física, esse dia foi muito difícil, eu também revidei a agressão, mas após a briga fui dormir e ele (ex-marido) me obrigou a fazer sexo. Eu não sabia que aquilo também era uma forma de estupro, eu consenti chorando, desabafou Karla”.
“Quando você pensa em violência doméstica pensa que é quando o marido chega em casa bêbado e bate na mulher. Eu fui descobrindo que sofria abuso psicológico, verbal e manipulação. Ele me manipulava de uma forma que eu perdi amigos, família e me tornei uma pessoa tão triste”, conta Karla.
"Quando você pensa em violência doméstica pensa que é quando o marido chega em casa bêbado e bate na mulher. Eu fui descobrindo que sofria abuso psicológico, verbal e manipulação. Ele me manipulava de uma forma que eu perdi amigos, família e me tornei uma pessoa tão triste".
O machismo presente na sociedade é um fator que legitima o controle da mulher pelo homem. A aprovação do companheiro para o que vestir, como se comportar e as companhias que a mulher deve ou pode ter são comuns nos casos de violência doméstica. “Uma forma de me controlar era pelas minhas roupas, ele olhava se eu estava com uma bermuda por baixo ou só de calcinha quando usava vestido. Se eu chegava tarde em casa por causa do trânsito, ele inventava que eu estava com alguém. Caso eu demorasse ou tinha algum lugar pra ir, ele inventava que eu estava com alguma pessoa, ou seja, eu não tinha mais vida social, só saía com ele”, afirma Karla.
A maioria das mulheres por vergonha, culpa ou medo preferem não denunciar o agressor, e nem sempre as famílias e conhecidos conseguem perceber a violência. “A minha família não percebeu, porque eu não deixei transparecer e ele (ex-marido) também não. Quando eu descobri que eu tinha esse tipo de relacionamento comecei a ir ao psicólogo, fazer terapia e aprendi a falar a palavra não e ele começou a ficar muito irritado. As ofensas verbais eram mais agressivas, as torturas psicológicas se tornaram piores. Ele falava e fazia coisas que sabia que me magoavam somente pelo prazer de me ver mal”, conta Karla.
Karla encontrou uma forma de enfrentar seu marido a partir do acompanhamento psicológico conseguiu abandoná-lo. “Através da terapia eu comecei a enfrentar ele. Eu fui em busca da mulher que estava dentro de mim. Eu fiquei com ele durante um tempo, porque tinha uma filha que era pequena e que dependia não do dinheiro, mas da afetividade do pai. Mas quando ela se tornou um pouco mais velha eu consegui por ele pra fora de casa”.
Joana (nome fictício), 32 anos, mãe de 3 filhos e auxiliar de serviços gerais de um colégio em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, passou a maior parte de seu relacionamento de 14 anos sofrendo calada durante as violências verbais, sexuais e físicas de seu marido. Joana e sua família moravam na casa da sua mãe. As agressões começaram quando Joana voltou a trabalhar, após sua filha completar 2 anos.
“Eu era muito dependente dele, só ele trabalhava. Quando minha filha fez 2 anos eu resolvi trabalhar e foi aí que tudo começou. Eu emagreci, comecei a ter um pouco de vaidade, ter meu próprio dinheiro e ele começou a ficar ciumento. Me vigiava nas redes sociais e meu telefone, ele não aceitava e não gostava que eu trabalhasse. Ele me batia e não me deixava dormir. Era comum ofensas verbais como vagabunda, você não está trabalhando nada, você está com homem e por aí vai. Eu nunca o enfrentei, sempre morri de medo dele. Apanhava quieta e calada, afirma Joana”
A falta de informações mais objetivas sobre a violência doméstica e as leis aplicadas na defesa da mulher dificulta as denúncias. Joana afirma que durante muito tempo sofreu agressões sem compreender exatamente o que estava acontecendo, sem entender que era vítima de violência doméstica. “Para mim, a lei Maria da Penha era só agressão física, eu não pensava que o psicológico da gente se enquadra na lei e, hoje, eu sei porque me ajudaram muito. Eu tive apoio da minha mãe e amigos. Um amigo que é da Polícia Civil me apresentou a uma menina que faz orientações contra a violência da mulher. Eu percebi que tinha muitas coisas a meu favor, aí decidi dar um basta”.
Entender o que é a violência doméstica e as etapas de uma denúncia é desafiante. A maioria das mulheres não se sentem seguras para denunciar, pois desconfiam ou acham ineficientes os órgãos oficiais. “Eu acho as leis e a justiça muito lenta. Só que a justiça é mais lenta ainda pra mulher que não abre a boca. Eu conheço mulheres que sofrem algum tipo de agressão e não vão procurar ajuda, porque acham que ninguém faz nada. Eu mesma pensava dessa forma, e hoje, eu respiro porque ele (ex-marido) está preso. Quando ele não estava preso eu não tinha vida . Se eu estava trabalhando, ele ficava na porta do local (de trabalho). Quando eu descia do ônibus ao chegar do trabalho, me surpreendia com ele na rua da minha casa. Eu tive que apanhar de novo para polícia chegar e tirar ele da minha casa, desabafou Joana.
De acordo com o levantamento “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil 2° edição” realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Datafolha constatou que das 1.092 mulheres entrevistadas, 52% sofreram alguma agressão no ano de 2018, mas ficaram caladas. Além disso, 76,4% das entrevistadas que sofreram violência afirmam que o agressor era alguém conhecido. Apresentando um crescimento de 25% em relação a 2016, quando 61,2% das mulheres afirmaram conhecer o agressor.
Grupos de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica estão crescendo nas redes sociais. No facebook, esses grupos tornam-se um mecanismo de defesa e solidariedade para as vítimas. O jornal Jupiter entrevistou Jô Ramos, escritora, jornalista e uma das administradoras do Grupo Defesa dos Direitos da Mulher-Pelo Fim da Violência Contra Mulheres, o grupo promove eventos com assuntos relacionados aos direitos das mulheres.
Segundo a administradora, o grupo que conta com 4.089 membros de todo o país traz informações primordiais para o enfrentamento da violência contra as mulheres. O que possibilita a compreensão do tema. Quando questionada sobre a uso das leis e os métodos de prevenção, Jô Ramos responde “As leis precisam ser aprimoradas e praticadas com eficácia. Na maioria das vezes as leis não são aplicadas por desconhecimento. Precisamos formar cidadãos mais atentos, educados e informados. O poder público tem que garantir estes direitos. A participação das mulheres nas decisões que atingem nossos corpos, participação das escolas nos debates sobre este assunto e leis mais rígidas e cumpridas, são métodos de prevenção”.
O que é Violência doméstica e familiar contra a mulher?
Violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, conforme definido no artigo 5 o da Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006.
Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
Violência física: Entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal;
Violência psicológica: Entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de
sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação
dada pela Lei nº 13.772, de 2018);
Violência sexual: Entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça,
coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a
sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos;
Violência patrimonial: Entendida como qualquer conduta que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os
destinados a satisfazer suas necessidades;
Violência moral: Entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação
ou injúria.
Onde e como denunciar a violência doméstica?
O Governo do Estado do Rio fez uma lista de lugares para denunciar a violência
doméstica. Acesse aqui http://www.cedim.rj.gov.br/servicos.asp
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reuniu os métodos para a realização de
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