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Times gays lutam contra a homofobia no esporte brasileiro

  • pedrowb
  • 11 de jun. de 2019
  • 8 min de leitura

Equipes poliesportivas pregam a inclusão, integração, companheirismo e fair play em seus campeonatos


Os BeesCats venceram a última edição da ChampionsLigay Brasil, realizada em Brasília (Foto: Instagram Liga Gay Nacional de Futebol)

Por Felipe Melo


O futebol é o esporte mais popular do Brasil. No entanto, essa atividade ainda apresenta um domínio masculino, em que predominam culturalmente o machismo e a homofobia. Com isso, em 2017, buscando lutar contra a discriminação no futebol, o roteirista André Machado fundou o primeiro clube carioca formado somente por gays: BeesCats Soccer Boys. A partir dele, surgiram novas equipes pelo país e a criação de competições nacionais voltadas a esse público: a Champions Ligay. Com o sucesso dos projetos, essas equipes se tornaram poliesportivas e fundaram times de outros esportes, pregando a inclusão, integração, companheirismo, esportividade e fair play em seus campeonatos.


Em 2018, o BeesCats foi o primeiro time do Brasil a participar do Gay Games, o principal evento esportivo voltado ao público LGBT+ do mundo. A equipe foi vice-campeã e recebeu a medalha de prata na competição. Apesar do crescimento e do sucesso, os atletas buscam conseguir patrocínio e visibilidade para que mais pessoas possam participar das competições e para a formação de futuras seleções brasileiras gays em vários esportes.


Diante do universo homofóbico do futebol, em que o público assumidamente gay jamais teve espaço, nem nas arquibancadas, muito menos em campo, André Machado explica o nome composto de seu time. O nome Beescats Soccer Boys foi formado por uma brincadeira, que demonstra o bom humor dos atletas: “biscates só quer boys”. De acordo com Machado, o projeto começou apenas com o objetivo de reunir amigos para jogar futebol, mas começou a crescer e atrair cada vez mais interessados. A partir desse interesse, a equipe se organizou com treinos às quartas e encontros recreativos às sextas, no Aterro do Flamengo, aberto ao público.


"O Rio de Janeiro é uma cidade carente de opções para o público LGBT+ às sextas-feiras. Nossas partidas recreativas acabaram virando um grande evento. A visibilidade atraiu boleiros que jogavam em outras equipes, mas estavam dentro do armário. Então, eles vieram para o nosso time para poder praticar o esporte que tanto amam, mas podendo ser eles mesmos.", destaca Machado.


Segundo Machado, esses movimentos abrem portas principalmente para a próxima geração. Dessa forma, times e competições voltadas ao público LGBT+ contribuem para criar uma ruptura do tabu e abrir espaço para que no futuro seja tudo integrado, sem julgamento sobre gênero ou sexualidade. Além disso, o roteirista acredita que através desses movimentos possa criar um ambiente seguro em que lésbicas, gays e transexuais possam se divertir ou competir junto de seus iguais. Para ele, a prática esportiva tem um caráter social e de integração muito maior do que de competição.


"Eu acredito que a importância dos times e competições voltados ao público LGBT+ vai além da simples inclusão destas pessoas no esporte. É um momento de descoberta para todos. Tanto a sociedade descobre que os gays estão aptos a praticarem esportes, quanto os próprios gays descobrirem que podem participar ativamente de diversas modalidades esportivas de igual para igual e sem terem que se esconder atrás de uma máscara." ressalta Machado


Para Machado, o futebol inclusivo deve se espelhar no feminino e suas recentes conquistas. Ele ressalta que no esporte LGBT+ foram criadas regras fundamentais de honestidade, companheirismo, integração e fair play. Por meio dessas ideias, há a busca por uma nova cultura, diferente da empregada no futebol tradicional. “Sabemos que a competição vale o troféu, mas não é a qualquer custo. Nos nossos torneios, a arbitragem elogia muito, porque em lances duvidosos o jogador se acusa dizendo que a bola bateu. Não há brigas no futebol inclusivo. Quando um outro atleta sobe o tom, a gente tenta reeducá-lo mostrando que ele veio do futebol tradicional, que tem aqueles vícios. ”, destaca Machado


De acordo com o atacante e jornalista Flávio Amaral, que participou ativamente da criação dos Beescats e hoje atua pelo Karyocas, a experiência do futebol gay mudou a sua vida e ampliou sua visão sobre a diversidade. “É um ciclo vitorioso que estamos vivendo. Muitas histórias foram transformadas com esses times, muitas pessoas passaram a encarar de maneira diferente a sua condição enquanto gay, só por estar presente com um grupo de amigos em um ambiente, no qual ele se sentisse à vontade para praticar o esporte que tanto ama. Quantos de nós não foram afastados do futebol por homofobia e agora estão podendo retomar esse contato com o esporte. ”



Competições e Diálogo com outros esportes


Com o sucesso das partidas recreativas, o BeesCats mapeou pelas redes sociais outros times de futebol voltados ao público gay pelo Brasil. Por meio dessa pesquisa, em 2017, eram oito equipes pelo país e a necessidade de se criar uma Liga para atender a esses atletas e combater a homofobia no esporte. Times como o Bharbixas (MG), Sereyos (SC), Alligaytors (RJ), Pampacats, (RS), Futeboys (SP), Bravus (DF), Unicorns (SP), Magia (RS), Bulls (SP), entre outros.


Assim, em novembro de 2017, com parceria do aplicativo de relacionamento LGBT+ Scruff, jogadores se reuniram para criar um campeonato de futebol amador: a Champions Ligay. A próxima edição da competição, no segundo semestre, será realizada em Belo Horizonte, com 20 equipes na série especial e 4 no acesso, uma espécie de segunda divisão. “A nossa liga cresceu muito e hoje temos até uma segunda divisão e uma fila de espera de várias equipes que querem participar dessa grande festa futebolística.”, aponta Machado, um dos fundadores.


Taça e medalhas da Liga Gay Nacional de Futebol (Champions Ligay), a competição da diversidade (Foto: Instagram Liga Gay Nacional de Futebol)

De acordo com um dos organizadores da próxima edição do evento, Josué Machado, a principal importância de competições voltadas ao público LGBT+ é a inclusão e a integração, em que as pessoas se sintam à vontade de praticar um esporte que é paixão nacional. “Por muito o futebol foi tolhido da vida desses atletas. Alguns deles foram impedidos de jogar quando crianças e adolescentes por causa do preconceito das pessoas, por serem afeminados. Através desses campeonatos, essas pessoas, que cresceram com esses traumas, podem praticar o esporte que é paixão nacional. ”


Com o sucesso da Liga, o BeesCats disputou a última edição da Liga Carioca de Futebol Society, composta por mais de 150 times, sendo a única equipe formada por gays. Para o atleta Flávio Amaral, a conquista desses espaços é um dos avanços necessários para a luta contra a homofobia no futebol. Além do universo futebolístico, o atleta destaca seu trabalho como jornalista em uma coluna chamada Orgulho em Campo, que durou um ano no site Pop Bola. Por meio dessa coluna, ele abordava os esportes e as competições LGBT+.


Outra conquista é a integração entre os diversos esportes transformando esses times em equipes poliesportivas com várias modalidades. “Muitos times inclusivos de futebol deram origem a equipes de vôlei, handball, jiu-jitsu, se transformando em poliesportivas. Você junta outros atletas dentro de uma mesma família, criando um ambiente ainda mais receptivo, agradável e harmonioso e permite que mais pessoas se envolvam nessa atmosfera positiva para a prática do esporte. ”, destaca Amaral.


Um dos exemplos é o professor de geologia da Uerj, Guilherme Loriato. Ele é atleta de vôlei do time Lendários Esporte Clube e destaca que a equipe surgiu do Beescats. Para ele, essas equipes não buscam a profissionalização, mas sim a inclusão de atletas assumidamente gays em competições tradicionais, com o fim do preconceito. Neste ano, o Rio de Janeiro será sede do II GayPrix de vôlei, que será realizado entre os dias 20 e 23 de junho, na AABB tijuca, contando com a presença de 15 times de 6 estados diferentes (RS, PR, SP. MS, MG e RJ).


“Profissionalizar é tudo o que não queremos, pois segue exatamente a contramão do principal objetivo do time. Ao profissionalizar equipes LGBT+ estaríamos deixando uma brecha para que estes atletas fossem ainda mais excluídos nas categorias masculina e feminina. ”, aponta Loriato


Já em setembro, teremos em São Paulo, o primeiro torneio que irá abranger futebol e vôlei gays, a Copa True Colors, organizada por um dos fundadores da Champions Ligay e presidente do time Unicorns, Felipe Marquezin. “A ideia do campeonato é pela falta que temos no Brasil de um torneio com mais modalidades. Nele teremos vôlei e futebol. Ainda é um projeto inicial, mas seria semelhante ao Gay Games só que nacional”, comenta Marquezin



O sonho de uma seleção brasileira no World Gay Games


Apesar do sucesso, os times LGBT+ foram criados recentemente e ainda lutam por patrocínios, principalmente para disputarem a tão sonhada World Gay Games, uma espécie de Olimpíadas da diversidade. A próxima edição do evento será em 2022, com sede em Hong Kong. “Há anos atletas de vôlei viajam por conta própria e nunca houve nenhum tipo de incentivo financeiro para isso. ”, ressalta Loriato.


Dessa forma, um debate sobre a possível criação de seleções brasileiras em várias modalidades para disputarem o World Gay Games acontece entre esses times. Para Machado, é um sonho, mas que ainda esbarra em questões financeiras. “Meu grande sonho é criar a primeira Seleção Brasileira gay de futebol. Ano passado fomos para Paris disputar o World Gay Games e quase levamos um time chamado Ligay Brasil. No entanto, os jogadores do nosso time estavam se desdobrando financeiramente para viajar. Hoje, já foram encontradas 53 equipes de futebol inclusivo por todo o país.


Comemoração dos atletas do BeesCats na Champions Ligay, em Brasília (Foto: Instagram Liga Gay Nacional de Futebol)

Segundo Amaral, para ser criada uma seleção brasileira é necessário definir determinados critérios na convocação dos jogadores, além da questão financeira. “Como o futebol LGBT não é profissionalizado, os atletas não têm retorno financeiro para poderem estar disponíveis em competições em datas específicas. Então, eles dependem do trabalho, nem todos conseguem estar em todas as competições, pois tem que bancar do próprio bolso as viagens e hospedagens.


Já para Loriato, é necessário diminuir o preconceito e realizar outras conquistas antes de pensar em uma seleção brasileira. “O World Gay Games tem grande importância para vários países que já tratam diferentes orientações sexuais de maneira mais igualitária. Ates de pensarmos em grandes representações nessa competição, precisamos ocupar estes espaços no Brasil, para depois alçar voos maiores. No vôlei, por exemplo, atletas viajam por conta própria para representar o país e nunca houve nenhum tipo de incentivo financeiro para isso.”



Documentário e luta pelo fim da homofobia


Além da expansão das competições, durante a campanha dos Beescats na Taça Hornet de Futebol da Diversidade, em 2018, realizado em São Paulo, o cineasta Carlos Guilherme Vogel dirigiu um documentário intitulado ‘Soccer Boys’ sobre a luta dessa equipe contra a homofobia no futebol. O filme conta com o apoio do Canal Futura e está disponível em sua plataforma de streaming. Ele ganhou o prêmio de melhor roteiro de documentário no 7º Festcine, realizado pela prefeitura de Pinhais, no Paraná


Documentário “Soccer Boys” sobre os BeesCats para as telas (Foto: Instagram Bravus)

Para André Machado, o documentário é importante por causa da visibilidade da missão do projeto, que seria ajudar a criar uma empatia coletiva. Um debate importante sobre a discriminação sexual no Brasil e a homofobia tanto no futebol, quanto na sociedade contemporânea.


“É crescente e assustador o número de suicídios entre jovens gays tanto por depressão ou mesmo por uso de drogas. Então acredito que a prática esportiva consegue ocupar a mente da pessoa e ajudá-la a se estabilizar. São vários casos de equipes que se unem, por exemplo, para fazerem uma vaquinha e levar a um torneio um jogador carente que não tenha condição financeira.”, aponta Machado.


Para Machado, o sucesso do futebol inclusivo é só o começo para novas conquistas. Uma mudança cultural e social do esporte, principalmente do futebol, espaço em que a hegemonia heteronormativa impera. “Chegou um momento em que vários times fizeram uma fila para marcar amistosos com a gente. Eles ficavam impressionados de que havia gays que jogavam bem futebol. É dessa forma, educando e mostrando, que a gente impõe que o caminho correto não é pelo ódio. Eu acredito muito que a homofobia é gerada pelo medo. Então, a gente tem que tratar o medo explicando com calma e não batendo de frente de forma agressiva.”


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