Crescimento do Campeonato Inglês impulsiona encontros de torcedores pelo Rio de Janeiro
- pedrowb
- 9 de jun. de 2019
- 10 min de leitura
Atualizado: 14 de jun. de 2019
Liga atrai fãs brasileiro, que criam comunidades de torcedores e promovem eventos na cidade

Por Pedro Werneck
A Premier League, primeira divisão do campeonato inglês, criada em 1992, vem crescendo cada vez mais e se consolidando como a mais assistida do mundo. O alto investimento e equilíbrio entre as equipes, fato raro entre as principais competições europeias, criou uma legião de apaixonados ao redor do mundo. No Brasil, e mais especificamente no Rio de Janeiro, não é diferente e surgem diversos torcedores de clubes ingleses, que formam comunidades e organizam encontros.
O crescimento da liga
O crescimento da liga no Brasil é visível. A competição é transmitida integralmente pela ESPN (TV fechada) e, durante a última temporada, também teve um jogo por rodada transmitido pela RedeTV! (TV aberta) aos finais de semana. Segundo dados do UOL, a emissora aberta quadruplicou os números de audiência em relação ao mesmo horário dos jogos no ano anterior, quando ainda não detinham os direitos de transmissão do campeonato.
A ESPN divulgou números impressionantes apurados pelo Ibope. O crescimento da audiência dos jogos da liga transmitidos pelos canais de televisão em relação ao ano passado foi de 33%. Além disso, a plataforma de streaming “Watch ESPN”, que disponibilizou todos os 380 jogos do campeonato, também obteve um aumento considerável de audiência, batendo outras competições como a La Liga (campeonato espanhol de futebol) e a NFL (liga de futebol americano dos Estados Unidos).
Muito além dos jogos, a emissora também consegue adentrar o país inglês e trazer uma cobertura muito completa. Os correspondentes João Castelo Branco e Natalie Gedra já conseguiram diversas entrevistas exclusivas com nomes muito respeitados dentro da competição, como os renomados técnicos Josep Guardiola e Jürgen Klopp, estrelas internacionais como Hazard e Agüero e brasileiras como Gabriel Jesus e Roberto Firmino.

As comunidades
Como maneira de encurtar as distâncias para seus clubes de coração, os torcedores de times da Inglaterra organizam comunidades dentro do Brasil. Dessa forma, eles garantem a unidade entre os apaixonados, possibilitando assistirem aos jogos como se estivessem dentro do estádio.
Conheça algumas delas:
Arsenal Brasil
A Arsenal Brasil é a comunidade brasileira de torcedores do Arsenal. Ela nasceu em meados de 2006, começando com a interação entre torcedores dos “Gunners” pelo Orkut. Em 2010, o grupo recolheu dados de mais de cem torcedores e enviou para Londres junto com um pedido para ser oficializada como torcida do clube no Brasil. Ainda em março daquele ano, o pedido foi aceito e a comunidade reconhecida como “Arsenal Brasil Supporters Club”.
A partir desse momento, a Arsenal Brasil se viu em ascensão. A atividade nas redes sociais e o título de torcida oficial contribuíram para que o número de seguidores aumentasse rapidamente. Segundo Matheus Vianna, um dos organizadores da comunidade, o título também permitiu o apoio e reconhecimento por parte da imprensa: “Como torcida oficial, nós chamamos atenção e somos citados dentro da imprensa, principalmente da ESPN, com destaque para João Castelo Branco [correspondente da emissora na Inglaterra] e Paulo Andrade [narrador da emissora], que citam a gente durante os jogos.”, ele contou.
Os principais núcleos de atuação da comunidade se encontram em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, São Luís e Fortaleza. No Rio de Janeiro, os encontros da torcida são divulgados por rede social e costumam ocorrer no pub Lord Jim, em Ipanema. Vianna destaca a importância desses eventos como integradores: “Nosso principal objetivo é unir os torcedores, ser uma ponte entre eles, é muito chato você simplesmente assistir um jogo sozinho dentro de casa”, ele revelou.
Vianna confessa, porém, que os encontros perderam a força de outrora: “No Rio de Janeiro, os encontros murcharam um pouco no último ano, até pela fase ruim do time. Em 2014, 2015 e 2017 chegamos na final da F.A. Cup e marcamos encontros lá [no Lord Jim]. No de 2014 chegamos a bater mais de 100 pessoas.”, ele relatou.
Além dos encontros, a Arsenal Brasil atua de muitas outras formas. A comunidade já conseguiu entrevistas exclusivas com renomados atletas brasileiros com passagem pelo clube, como Gilberto Silva e Sylvinho. Desde 2009, também, todo ano são organizadas excursões para a Inglaterra.

Todo esse empenho por parte da comunidade é reconhecido pelo Arsenal. Em 2017, a Arsenal Brasil pediu para colocar um banner da torcida no Emirates (estádio da equipe londrina) e o pedido foi aceito. Vianna conta que isso não seria possível se não fosse toda a demonstração empenhada de carinho pelo clube: “O Arsenal e a torcida inglesa do clube passaram a ter um respeito muito grande pela gente”, ele disse.

Chelsea Brasil
A Chelsea Brasil surgiu em 2010 como um blog. Em 2012, a comunidade passou a organizar encontros no Terraço Stanford Bridge, em Nova Iguaçu. No ano seguinte, ela se espalhou e começou a ter reuniões também em Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Distrito Federal.

Um dos organizadores, Rafael França, revela a paixão ao clube por parte da comunidade: “É incrível! Leandro Guedes [outro organizador] chegou a nomear o filho dele de Leandro Lampard [referência a Frank Lampard, um dos maiores ídolos dos Blues]. Em 2015, fizemos a primeira excursão ao Stamford Bridge e levamos umas 15 pessoas.”, ele contou.
França lamenta, porém, que os encontros no Rio de Janeiro também tenham perdido força para a Chelsea Brasil: “Infelizmente, no Rio de Janeiro, a frequência de encontros é bem reduzida e raramente costumam acontecer. O Leandro ainda faz alguns no Terraço, com a nossa ajuda, mas longe daquela periodicidade de outrora. Ultimamente tem rolado mais em Belo Horizonte pelo movimento autônomo Chelsea Beagá”, ele disse.
Liverpool FC- Rio de Janeiro
Diferente das citadas anteriormente, a LFC- Rio de Janeiro, como seu nome já diz, é uma comunidade exclusiva da cidade carioca. O primeiro contato dos torcedores dela se deu em 2007, mas o primeiro encontro marcado enquanto organização só ocorreu em 2013, na partida disputada entre Liverpool e Chelsea.
A grande maioria dos encontros da comunidade também acontece no Lord Jim. Aproveitando o grande momento vivido pela equipe, vice-campeã da Premier League e campeã da Champions League nessa temporada, muitos eventos são organizados, atraindo dezenas de torcedores apaixonados. Além das reuniões para assistir aos jogos, A LFC- Rio de Janeiro tem um time de futebol, que participa de uma competição carioca.
Julia Calazans, uma das membras do grupo, ressalta a importância de dividir sua paixão com outros torcedores: “Durante muitos anos eu torci sozinha, conhecia apenas virtualmente dois outros torcedores, mas aqui, no meu meio social, eu era a única. Até que em 2013 conheci outro torcedor que me falou sobre a galera que se reunia para os jogos e eu me animei bastante com a ideia de estar com pessoas que sentiam o mesmo que eu, e ainda mais pelo mesmo time.”
Brasil Spurs
A Brasil Spurs é o grupo de torcedores do Tottenham. Ele existe desde março de 2015 e atua de diversas formas: enorme atividade em redes sociais, site de notícias, organização de encontros, time de futebol de 7 e equipe de e-sports, que participa de torneios de FIFA. O grande diferencial da comunidade, porém, é a utilização da internet. Ela conta com nada mais, nada menos, do que 15 grupos de WhatsApp divididos por núcleos estaduais, além de um que engloba todo o país.
Assim como a Arsenal Brasil, a Brasil Spurs foi reconhecida como torcida oficial do clube no nosso país. O processo foi parecido: pedido enviado junto à comprovação do grande número de torcedores. O marco também foi um divisor de água para eles, que já proporcionou constantes trocas de e-mail com o clube, lives com jogadores e convites para premiações em Londres.
Diego Castanha, presidente da organização, destaca a importância dela para conectar os diversos torcedores da equipe londrina: “Percebi que desde a criação de núcleos da torcida em cada estado facilitou e muito a interação entre os torcedores, que foram até além do futebol, pois se formaram verdadeiras amizades. Se antes os torcedores se sentiam meio sozinhos torcendo de longe para um clube inglês, hoje podem passar o dia conversando com outros amigos sobre o clube ou se encontrando para assistir à partida juntos”, ele afirmou.
Normalmente, os encontros da Brasil Spurs acontecem no Lord Jim, mas também já foram realizamos no Norte Shopping. A frequência é irregular, ocorrendo nas partidas mais importantes da Premier League e da Champions League.

Os encontros
Como observado, o pub Lord Jim, em Ipanema, é o principal ponto de referência dos encontros das torcidas. Hendryl Freitas, um dos organizadores da Liverpool FC- Rio de Janeiro, explica a escolha do local: “Esses encontros aconteciam no Bar do Leo, no Leme. Mas lá não era voltado para o futebol, então a gente gritava, xingava e o pessoal não gostava muito. Aí fomos para o Lord Jim, que é voltado para isso, e ficamos muito mais tranquilos”, ele contou.
Durante os últimos meses, as torcidas cariocas de Liverpool e Tottenham se reuniram duas vezes no local para assistir aos jogos entre as equipes. A primeira partida ocorreu pela Premier League, no dia 31/03 e a segunda foi a grande final da Champions League no dia 01/06 (para a final, a LFC- Rio de Janeiro também organizou um encontro no Pepito`s Bar, na Vila da Penha). Em ambas, os “Reds” saíram vencedores.

Os eventos contaram com alguns princípios de confusão, com intensas discussões verbais. Calazans diz que isso é normal, mas no geral a relação com os rivais é muito boa: “Nos encontros mistos, durante o jogo, a rivalidade é fortíssima, coisa séria mesmo, mas claro que depois que o jogo acaba todo mundo se mistura e fica de boa. Mas o mais legal mesmo é o respeito por pessoas que te entendem e sentem o mesmo que você, só que por um time diferente”.
O mais impressionante dos encontros é a torcida apaixonante e intensa. O pub fica tão barulhento quanto um estádio, com os torcedores gritando, xingando, comemorando e cantando do início ao fim. A distância não impede esses apaixonados de saberem cada canto entoado nas arenas inglesas.

Como organizador desses encontros por parte da LFC- Rio de Janeiro, Hendryl acredita que essa atmosfera é justamente seu objetivo: “A ideia dos encontros é tornar o pub um pedacinho do Anfield aqui no Rio de Janeiro. Eu já tive oportunidade de ir e assistir dois jogos no Anfield, mas quero que as pessoas que nunca foram sintam um pouco dessa experiência, torcendo, bebendo, transformar essa atmosfera para trazer um pedacinho da Inglaterra”, ele falou.
Essa energia das reuniões cativa os torcedores e elas passam a ser o respiro dentro da rotina sufocante dessas pessoas. Calazans crê que todo sacrifício é válido para aproveitá-las: “Eu estou nos encontros sempre que posso. Eu conto os dias para os encontros, olho a tabela e as melhores partidas para marcarmos, acordo 7h para pegar 3 conduções e chegar no pub para o jogo de 13h sem reclamar, feliz da vida. Muitas vezes enfrentei essa viagem (eu moro na Baixada) para chegar lá e ver o time perder, mas isso nunca me desanimou”, ela contou.
A paixão
Para muita gente soa estranho um brasileiro torcer para um clube da Inglaterra, mas os torcedores dessas comunidades veem isso com naturalidade. Rafael França, da Chelsea Brasil, responsabiliza o futebol local por esse movimento: “Hoje em dia, é comum as pessoas torcerem para um time europeu, tamanha a deficiência dos nossos em capitalizar em cima desse público. Então, é uma consequência e temos que estar preparados para absorver essa demanda”, ele afirmou.
Cada torcedor tem uma estória para o começo da paixão por um desses clubes. Calazans, por exemplo, se apaixonou pelo Liverpool ao mesmo tempo em que se apaixonou pelo futebol em si: “Eu comecei a torcer pelo Liverpool em 2008, na semifinal da Champions contra o Chelsea. Antes disso, eu nem curtia futebol, mas nesse dia acabei vendo o jogo literalmente por ‘não ter nada melhor pra fazer’. Foi paixão à primeira vista. Quando a torcida começou a cantar eu senti algo que até hoje não sei explicar”, ela relatou.
A partir daí, a torcedora foi atrás da história do clube e se apaixonou mais ainda: “Saí pesquisando e me apaixonei e emocionei pela história toda, e quando eu percebi já estava todo fim de semana torcendo pelos 'Reds'”, ela contou. Ela disse ainda que se engana quem duvida de sua paixão: “Muitos diziam que era maluquice, que não fazia sentido eu torcer para um time de fora, mas essas pessoas nunca serão capazes de entender. Só quem sente é capaz”, ela argumentou.
Muitos desses torcedores também têm um time dentro do Brasil. Hendryl é um exemplo, mas sua paixão pelo Liverpool é incomparável: “Sou carioca, mas o Liverpool é sim minha primeira paixão, torço para o Flamengo aqui no Brasil, mas o Liverpool é meu primeiro clube, gosto muito desde criança, do hino, dos jogadores do passado e de hoje, que me fizeram se apaixonar”, ele expôs.
O olhar dos especialistas
A opção por torcer por um clube de fora do Brasil desperta muita curiosidade, inclusive por parte da academia. A pesquisadora do Laboratório de Estudos de Mídia e Esporte (Leme) PPGCom/UERJ, Leda Costa, acredita que esse fenômeno se deve às vivências da nova geração: “Brasileiro optar por torcer por clubes ingleses é um fenômeno que provavelmente se vincula a questões geracionais. Imagino que sejam em sua maioria jovens que cresceram tendo contato com uma cultura globalizada, ou seja, tendo acesso e compartilhando uma gama de produções não mais restritas ao Brasil”, ela afirmou.
Irlan Simões, também pesquisador do Leme, destaca a importância das tecnologias nesse contexto: “Você tem uma mudança de paradigma tecnológico que quebrou muitas barreiras de produtos futebolísticos, por exemplo, assistir o Barcelona pela Copa do Rei é mais fácil do que assistir o Sport Recife pela Copa do Brasil”, ele declarou.
Costa também diz ser imprescindível relacionar o fenômeno com a nova dinâmica do mercado do futebol: “Nesse sentido é inevitável pensarmos que além de considerarmos a globalização precisamos considerar a mercadorização do futebol como elemento importante para compreendermos as novas formas de adesão clubística”, ela proferiu.
Simões complementou esse pensamento citando o comportamento dos clubes e das ligas nesse cenário: “Se você olhar para os anos 2000, nos quais se deram a mudança e adaptação dos times europeus, das 5 grandes ligas, existiu uma leitura do futebol que era preciso que esses clubes conquistassem novos mercados”.
Por outro lado, ele disse que o sucesso da adesão por parte do brasileiro é, de fato, surpreendente, apesar de explicável: “Não se esperava que isso chegasse em um país com um futebol tão tradicional como o Brasil. Mas chegou, com alto investimento, trazendo jogadores desse país e com as transmissões televisivas. Você agrega esses torcedores ao circuito de consumo que cria essa identidade clubística, junto à facilitação de acesso à camisa, ao cachecol, etc. do time”. O pesquisador diz que não podemos entender esse movimento como algo repentino: “Esse apoio às comunidades de torcedores brasileiros como a Arsenal Brasil não é do nada, foi pensado”, ele completou.
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