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Especialistas afirmam que não há no futebol apoio psicológico aos treinadores

  • Foto do escritor: Jornalismo UERJ
    Jornalismo UERJ
  • 6 de mai. de 2019
  • 5 min de leitura

Esses profissionais necessitam de ajuda emocional devido à constante pressão da profissão

Abel, Muricy e Telê são exemplos de técnicos que tiveram problemas de saúde durante a profissão (Foto: LanceNet!)

Por Felipe Melo


Na última década, cresceu o número de treinadores com problemas de saúde devido à constante pressão da profissão. O caso mais recente foi do atual técnico do Flamengo, Abel Braga, 66 anos, que passou mal durante o confronto contra o Fluminense, pela Taça Rio, em 27 de março, e foi diagnosticado com ablação (cauterização do tecido que causa arritmia).


Além da questão cardíaca, esses profissionais convivem diariamente com o estresse do cargo e necessitam de auxílio psicológico, tanto de clubes, quanto da federação. No entanto, de acordo com especialistas, não existe em clubes brasileiros uma política específica, que vise ajudar os treinadores a diminuir os problemas relacionados à sua saúde mental.


Os treinadores de futebol são responsáveis não só por implementar o plano tático das equipes, como também por gerir o grupo de jogadores, com o auxílio de sua comissão técnica e do psicólogo do esporte. Neste caso, este profissional atua como conselheiro, contribuindo para a resolução dos conflitos internos entre os atletas. Além disso, ele participa do planejamento do clube com os dirigentes, estabelece metas com sua comissão e se relaciona com a imprensa durante as coletivas.


No entanto, os técnicos, principalmente de clubes de massa, convivem com a pressão da profissão e são expostos a um alto grau de estresse. Durante as partidas, eles sofrem com a cobrança por resultados, a recorrente ameaça de demissão e o constante julgamento público. Segundo especialistas, além dos problemas cardíacos, esses profissionais podem apresentar diversas doenças relativas aos altos picos de estresse como: AVC, síndrome do pânico, de burnout, depressão, transtornos alimentares e insônia.


A falta de uma política de ajuda psicológica aos treinadores


De acordo com a professora e especialista em psicologia do esporte, Teresa Fragelli, apesar da importância dessa área, não há em clubes de futebol no Brasil uma política, que busque minimizar os problemas relativos à saúde mental dos treinadores. A profissional tem vasta experiência na área, com passagens por clubes como Fluminense e Botafogo. Ainda segundo a professora, ela tentou implementar este modelo no profissional do Fluminense, porém não obteve uma resposta adequada do clube.


“Atualmente, eu não conheço uma política em clube nenhum que se preocupe com o estresse dos treinadores, visando minimizar este problema. Nunca presenciei um genuíno interesse do clube por possibilitar ao treinador algum apoio nessa área. Eu penso que seria muito importante, porque até os treinadores que puderem desenvolver um tipo de acompanhamento... seria benéfico para o clube de maneira geral.”, destaca Teresa.


Para ela, os treinadores compreendem muito mais a importância da figura do psicólogo nos clubes, do que dirigentes e federações. Assim, a atual seleção brasileira ainda carece de um maior entendimento sobre a presença desse profissional no emocional de atletas e treinadores. Com isso, ela entende que nos próximos anos, não há possibilidade de termos um trabalho psicológico voltado ao auxílio de comissões técnicas.


“Infelizmente a CBF, que deveria ser a primeira entidade a apoiar o trabalho em conjunto e o treinamento total, que inclui aspectos táticos, físicos e emocionais, não compreende este trabalho. Temos uma seleção brasileira em que o técnico acha que é psicólogo e com jogadores que acham que não precisam do trabalho. Se a entidade maior do esporte não valoriza esse trabalho, as outras passam a não valorizar também. ”, ressalta Teresa.


Já Marina Mattos, psicóloga do esporte, que se dedica há 10 anos ao trabalho sobre futebol, também destaca desconhecer qualquer tipo de política que auxilie técnicos da área. “Eu desconheço clubes que tenham alguma política, que vise acompanhar a saúde mental dos treinadores, buscando minimizar questões relativas à pressão que eles sofrem.”


Contudo, a profissional ressalta que a psicologia do esporte apresenta limites e diferenças em relação à área clínica, que impossibilitaria diagnósticos específicos sobre a saúde mental dos treinadores. “Isso é algo que esbarra nos limites da psicologia do esporte, pois ela não é uma área individual clínica. É uma área voltada ao trabalho com equipes. Muitas vezes o técnico pode trazer questões individuais que se misturam com a equipe, mas em determinados momentos ele irá necessitar de uma análise fora daquele contexto”, aponta Marina


A importância da Psicologia no trabalho dos técnicos


Segundo Teresa Fragelli, a psicologia é essencial em esportes de alto rendimento como o futebol. De acordo com a profissional, existe uma tríade importante para o desenvolvimento da atividade: atleta, treinador e psicólogo. Para ela, esse funcionário atua diretamente com a comissão técnica na gestão do grupo de jogadores, na busca por orientá-los de maneira mais adequada, dando suporte mental e emocional a esses profissionais.


Os psicólogos do esporte visam atender diretamente as questões de conflito no elenco e em determinados momentos assuntos individuais dos próprios treinadores. Com isso, eles trabalham com toda a equipe e buscam entender a personalidade de cada atleta e como ela pode afetar em seu desempenho dentro das quatro linhas. Segundo Teresa, muitos desses profissionais têm o primeiro contato com a psicologia através do trabalho no futebol.


Para ela, a pressão que os técnicos de clubes de massa enfrentam por resultados positivos é avassaladora. O estresse competitivo acontece até nas vitórias, pois não basta vencer, tem que se manter no topo. “Nós vemos nesse esporte a presença do estresse negativo, principalmente os técnicos. A gente vê na história futebolística que muitos técnicos tiveram problemas de saúde por ter que vencer a qualquer preço. Se eles estivessem mais bem amparados dariam melhores respostas aos jogadores e a seus clubes.”, ressalta Teresa.


Um exemplo disso é atual situação do técnico do Flamengo Abel Braga. Apesar de ter sido campeão carioca, ao vencer o seu maior rival, o técnico tem sofrido forte pressão da torcida por causa do futebol apresentado pela equipe rubro-negra. O treinador balança no cargo e corre risco de ser demitido, caso não consiga a classificação para as oitavas da Libertadores da América.


De acordo com o treinador Maurício Barbieri, ex- Flamengo e Goiás, em entrevista ao jornal goiano ‘Sagres Online’, a relação do profissional com a imprensa colabora para o aumento da pressão e o julgamento excessivo. Para Barbieri, com a correria diária, o comandante não tem tempo para se cuidar. “É difícil ter uma rotina em função do calendário, por causa das viagens e jogos, fica difícil ter uma assiduidade quanto aos cuidados com a saúde. É um problema que todos devem olhar com mais cuidado, inclusive as Federações e a CBF.”, aponta Maurício.


Já a especialista Marina avalia que existem diferenças na questão do treinador de clubes grandes e pequenos e que a figura do psicólogo é fundamental no trabalho desses profissionais. Em clubes de massa, a cobrança é bem maior devido à torcida numerosa e a exigência por resultados. Dessa forma, em caso de derrotas, a culpa geralmente recai no treinador. Em clubes de menor expressão, a falta de estrutura de trabalho e o atraso de salários impactam diretamente na saúde e na rotina do técnico.


Para Marina, clubes e federações deveriam se preocupar mais com a saúde não só de técnicos, como de atletas, árbitros e todos os envolvidos no futebol profissional. Segundo a especialista, o entendimento dos clubes quanto a importância dessa área melhorou nos últimos dez anos. Contudo, ainda há um caminho até que as pessoas que dirigem clubes favoreçam que a psicologia circule no futebol para contribuir com o melhor andamento da modalidade.


Casos de técnicos com doenças ligadas ao estresse da profissão


Além de Abel Braga, Muricy Ramalho, Renato Gaúcho e Cuca, que tiveram problemas cardíacos nos últimos cinco anos, outros treinadores apresentaram doenças ligadas ao estresse da profissão. Em janeiro de 1996, Telê Santana teve que encerrar a carreira devido a um AVC Isquêmico, que afetou sua fala e locomoção. Na época, ele comandava o Palmeiras.


Já em agosto de 2011, o ex-zagueiro Ricardo Gomes teve um AVC hemorrágico e foi retirado de campo por uma ambulância durante a partida entre Vasco x Flamengo pelo Brasileirão.

Até o fechamento desta matéria, a FBTF (Federação Brasileira de Treinadores de futebol) e o Clube de Regatas do Flamengo não responderam os questionamentos sobre a falta de uma política, que vise amenizar e prevenir problemas da saúde mental dos treinadores de futebol.


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